domingo, 6 de junho de 2010

Cãosmose

Meu cachorro acaba de comer o livro "Caosmose" emprestado do CCBB. Agora entendo o que Guattari dizia com a expressão consumo de subjetividade.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vida e morte de João Sem Nome

Apenas pensares iguais lhe vinham à cabeça. João sabia serem aqueles seus pensamentos diários e infecundos. As idéias nunca vinham assim sem mais. Quer dizer, as verdadeiras idéias. Verdadeiras sim. Alguma coisa como Platão, verdade e simulacro. E joão pensava apenas simulacros. Simulacros de plástico. Fake.
Assim, despregoado de si, pegou-se João verdadeiramente pensando certo dia. Pensando sobre o pensar. Pensando verdadeiramente sobre o pensar. Mas, refletiu ele, se pensasse sobre o pensar, esse novo e original pensamento do pensar não seria mais que uma reflexão sobre o próprio pensar. Um pensamento que reflete outro. E como um pensamento que tem outro como base pode ser original, verdadeiro, não simulacro?
Como a janela que se abre sem vento, mas com espirros, aquele pensamento novo, ou novamente copiado de outro, se impôs, se pôs dentro, numa abdução. Porque pensar novo é fazer uma abdução do fora, do estranho. É, também, ao mesmo tempo, sofrer uma abdução. Ser levado pra fora, pro estrangeiro do sem nome, pois só é estrangeiro o que ainda não tem nome, ou o que tem algum nome que a gente não consegue falar. O sentido vem à carroça. Alguém diz o novo e o outro fala saúde, por educação. E foi como um espirro, como um protótipo de orgásmo de espírito, que o pensamento novo entrou, ou saiu, não sabia ao certo, de repente, pequenino ainda, é verdade, mas verdade. João sentiu o gosto da verdade, o gosto de verdade, e soou como uma ilhazinha de vento num mar de nada, como um gosto de sentir numa cama vazia. E João gozou em espirro intempestivo. Mas não havia ninguém lá para lhe dar saúde, ninguém lá pra dar nome àquele objeto gozado, parido de cabeça e querente de nada. E aquele objeto era João. João visto de dentro do ovo, ou de fora, abduzido, ainda não sabia. João sem nome também ainda.
Depois de gozar-se, João se mudou. Foi morar fora e passou-se a chamar João Sem Nome. João Sem Nome continuou a se pensar pensando, pois pensar-se pensando assim de fora era como pensar-se outro. E era, justamente, por pensar em pensar-se outro que, pois, João era agora Sem Nome. Pensar-se outro era libertador e, mais que isso, tinha sentido de verdade, pois a verdade sempre esteve fora. Estando agora fora de si, João sentia nele a verdade. João Sem Nome, desgrudado agora que estava de si, continuou durante muito tempo a copiar-se e, sendo assim, era-se de fora. Sendo-se de fora, pensando em pensar-se, João era Sem Nome.
Via-se agora, João Sem Nome, que o que mais e sempre quis foi ter-se e que a única forma de fazê-lo verdadeiramente era ir-se completamente para fora, não só de seu pensamento, mas de tudo o resto de si. João Sem Nome resolveu então inalar quinhentas gramas de pimenta do reino em pó. Quis, através desse ato intempestivo, original e até inspirador, provocar um espirro tão forte que o retirasse completamente de sim. Seria o espirro mais forte que o homem já viu. João Sem Nome foi encontrado morto dentro de sua casa no estrangeiro. Não tinha amigos nem documentos, por isso João Sem Nome foi enterrado como indigente lá mesmo numa cova sem nome. Os médicos disseram que o coitado morreu sufocado depois que a pimenta fechou sua glote.
João Sem Nome morreu de dentro.