sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Puro acaso

Sou tão fácil de esquecer quanto sou de lembrar. é só não me pensar. Faça o teste: não pense. É difícil. Por isso é difícil esquecer-me. Sou nirvana. E sou sombra mesquinha carregadiça de nada. E mesmo que te faças virtuoso nada me fará desistir. Sou o esquecimento e a cartada final. Roubada sem razão, vinda de fora, despretensiosa e vã, injusta e clara como o acaso. Sem-resposta, esse é meu nome, meu brumoso nome, sem casa, sem vento, sem braço, sem vista nem gozo. Balaustres esquecidos na chuva, segurantes de quedas, em cima vela iluminando a escuridão lá fora. Inútil, trôpega luz, inconstante, apagada pelo vento e reacesa, cintilante, fraca, piscante. Luminescência pontual, exclamativa e inquisitória. Esse sou eu. Tudo isso e nada isso. Ilumino inutilmente, casualmente a escuridão do mundo, o não-existente, o puro não-ser, tão limpo quanto gosto de carência de olhar. Com pingo de luz de fósforo faço um mundo existir. Assim, fácil, dou luz a existência que corrói, que queima, e como um acaso sopro o mundo, e o extingo quando faço aniversário. Pó, puro acaso. Puro.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Estética

Problemas? Aquele, dos três, de fato se dá de acordo com as entrelaçadas avultadas petições de juízo da senhora sua mãe. Já para que? Não se faz bela a tua cunhada? Ela é que tem razão! A razão quem dá é a estética, mais nada. Quem tem boa se redime ante os olhos de deus. Antolhos de deus, caiu bem. aquele que tudo vê. Só para a frente. Fecha os olhos pro que acontece ao lado. Para que também? Don´t let... don’t let.... Radiohead. Desde quando gostas desse som descontente? É sombra de música esses murmúrios insossos. E as pessoas aplaudem com veemência. Thank you everybody! Good night! Meus filhos gostam. Sem pelos é mais fácil estar de acordo com o desagrado.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O barco

Olha o barco, meu bem, lá no fundo. Onde? Lá onde a terra há de comê-lo, lá no fim dela, onde começa o sem-fim do mundo. Ainda não posso ver, bem. É que pra isso tens que fechar os olhos assim. Assim? Exato. Agora vês a sombra que projeta na água? Vês a cor ocre de suas madeiras escuras e limosas, ouves suas velas a mastigar o vento e cuspir andanças? E olha as pessoas lá dentro, amor. Suas bocas de esforço, suas cores, suas peles luminosas de sol, seus braços controlando as cordas e o timão, as vontades brancas luzindo as caras, lembranças dum amanhã enternecido adentrando robustos esposas deixadas nas casas, mulheres, lascivas criadoras de filhos chorosos cheirosos a banho. Mulheres, a razão de estarem ali longe, longe delas. Olha, agora recolhem as redes. E o que pescam, querido? Pescam sonhos. Pescam sonhos de mundo, sonhos meus e seus, sonhos de ninguém. Pescam a casa do projeto, o filho que teremos, pescam nuvens, pescam morte. Mas sobretudo pescam mulheres. Sobretudo pescam mulheres.