domingo, 14 de junho de 2009

sem querer querendo





debaixo d'uma árvore
Chopin de costas
percebo feliz
que não estou apto para amar.
o quanto abro mão das coisas
para simplesmente
sentar-me aqui
sem querer.
Sem querer
como posso amar sem querer?
O acaso renasce e
sem querer
me joga num querer,
numa onda do
querer
que me arrebenta
na praia
e some
deixando-me caído,
sem saber
o que me atingiu.
para logo depois me levantar
e me preperar
para mais uma delas
mais uma onda de
querer
vindo a mim
sem querer
e
sem querer
o
querer
me carrega novamente
e me vira
de cabeça pra baixo.

O amor é o
querer
apesar do
sem querer,
é o apropriar-se do
sem querer.
O amor é um
sem querer
querendo,
é um beijo
no Acaso.

Por isso prefiro agora estar só,
aqui,
debaixo d'uma árvore
que despeja sombras
sobre meu caderno
escuro
em meio ao crepúsculo
da Praia Vermelha.
Por isso estou aqui só
e estou bem,
estou só porque quero o
sem querer
sem querer,
quero o acaso vivo,
quero o acaso livre
quero outra coisa
que não é o estar ali.

quero o
sem querer
sem querer
Não quero isto
que está aqui
que parou aqui
sem querer.

quinta-feira, 11 de junho de 2009





a espera me exorta
a querer mais
sem menos saber
a beber das claras d'um ovo podre,
d'um feto morto,
da vida que não viveu.
natimorto é o saber-se são:
enquanto afirma-se
por isso mesmo
já não é.
é a dúvida mais saudável
que a certeza cega?
ah... dúvida.
Perscrutando um caminho tosco
achando um sentido sem razão
na floresta fechada
das coisas em si
tento não me perder.
tento não me perder demais.
se tenho certeza demais
no caminho
sou doente e me perco,
certo?
é o que dizem.
Ah...
mata fechada do Nada,
o sentido se faz a golpes de facão!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

sempre é noite em meus sonhos


Starry Night Over the Rhone, Vincent van Gogh (1888)



sempre é noite em meus sonhos.
se não fujo,
persigo,
grito
e de repente me perco
procuro o caminho de casa
e nunca chego
nunca entro
estou sempre fora de mim
meus sonhos se passam na rua
nos ônibus
e aí então,
como uma barata perdida,
descubro que voo
e me pergunto
por que não voava antes
se voar é tão fácil.
controlar é que é difícil
é preciso uma espécie de força pra subir,
subir,
mas nunca chegar alto demais
a não ser que me jogue de algum lugar

sempre é noite em meus sonhos
os lugares são outros,
uma viagem a alguma costa
praias,
pessoas,
o mar revolto
não entro
ando
contorno o mar
lagoa
percorro uma trilha no mato
morro acima
então estou subindo o alto
um outro alto, porém
um alto dos sonhos
mas que é o mesmo sempre.
é que o lugar nos sonhos
é na verdade o afeto
espacializado
por isso real

sempre é noite em meus sonhos

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Acordei amanhã

Acordei
em quarto estranho
As calças no chão
e um número
de telefone
incognoscivelmente
rabiscado
na mão
De quem é a letra?
De quem é o número?

Quem é esse que sou?

roupas molhadas de chuva
alma secando e ardendo
na mende
Uma dor na mente
Não,
uma dor no cérebro!

Minha anfitriã
contando histórias de mim
que não sei
que serão para sempre histórias
de outro

Mas está tudo bem
Hoje é de novo dia
Hoje é de novo noite
Hoje será de novo amanhã
E Amanhã que será?
E amanhã quem será
eu?

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Vaca,




Preocupar-se com o outro
é coisa tão egoísta
e fútil.
Na verdade é sempre coisa de si,
raiva de quem não te fala mais,
de quem não olha
mais na cara.
Raiva da indiferença.
Indiferença...
Indiferença é vingança de esquecer.
Matar-te em mim!
Assim é que é a dor.
E dói.
É arrancar,
é pegar uma pá
e desenterrar.
Desgraçada!
Xingo-te porque ainda tenho libido
investida em tu,
escorrendo como porra.
Xingo-te!
Vaca!

(e como eu odeio poesia!)

terça-feira, 5 de maio de 2009

A Poesia é meu sintoma



Foto: "fantasma", Gustavo Tavares. Vassouras, RJ. abril/09


Não me surpreendo mais e não me repreendo mais também. Por saber das possibilidades não me despermito. Vou para onde a libido aponta, mesmo sabendo que é para um fantasma. Não tenho medo mais de fantasmas. Eles sou eu. Eles se materializam ao longe e desmaterializam ao toque. Psicanaliticamente, fico a chupar o dedo. Eras mais próxima a distância, te digo, minha frase mais recorrente. Por isso não tenho medo, sou apaixonado por fantasmas. Bu, sou eu, mas não te assustes, não me assustes, não me espantes, não me enxotes. Sei que me preferes de longe também. Mas aí é que está, apesar de tudo isso quero algo além de mim, quero algo perto que não seja eu de longe. Por isso vou para longe e continuarei indo: para alcançar o perto, para te alcançar... te alcançar... alcançar... cansar.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

turbilhão




turbilhão
nem sinto mais
pedras passam de quando em vez
acertam os ponteiros
me atrasam
me precisam

são as dores de permanecer que me agüentam,
me suportam
me sustentam
vê, não queria saber-me seguro
como cesariana, aquele belo casal
não queria ver-me ali
incestuado em sombras e devaneios
flácidos de vento.
Queria-me feliz
concretocertoprecisoprofundoinfinitoDeussss
apenas
e é esse o problema, amor
é esse:
quero-te em várias formas
de conteúdo contudo sempre mesmo
Nada.

Julgozo disperso de incerteza sou,
perco o andar,
não sei mais qual é.
Lá me vou sem par.

sexta-feira, 10 de abril de 2009

ideal



"Corpo de moça". Foto de Paulo Salermo.


Porque te calas? As azuis esperanças de estar com alguém que realmente se queira se esvão com o caminho do ideal. Senhora, o medo que tenho de ti é sem igual. É igual a quanto gosto de ti, a quanto fujo de ti. Fujo porque sei que me decepcionarei. Sustento-me no que não existe, me sustento no vento, no nada que trago ao mundo, me prendo no além, naquela imensidão que não sei, nas belas funduras de uma suposta alma de quem acha que existe. E mesmo assim não é ilusão. Mesmo assim não é nada. Essa é a tragedória. Flutuar num sem terra, desterritorialização constante de ser. Espera-la, pensar um dia encontra-la, beijá-la ternemente se não mais ser. Atravessar o rio, me afogar, sentir o gosto doce da água no pulmão, sentir o gelado do escuro, ser apenas levado, a correnteza me libertando do sentido.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

a mesa vazia




Estar ciente que o desespero pode cair na cabeça e balançar os grilhões. mesmo sem a cara amarrada no sem nome, ademais a sorte nos indica que a mansidão da alma se esvai a medida que se avança em direção àquilo que não se espera. Mas então qual a razão? Qual o sentido? Lá, aponta o outro. Sempre o Outro, aquele do Lacan. E às vistas do sem calma do não existir adentra a sala de jantar e mata o que não diz. Mata o que não sente. Mata o que não vê. Sobramos poucos e mesmo assim esses não somos nós. Sobram o desespero do existir, sobra a mesa vazia.

domingo, 15 de março de 2009

corpo

O vazio é tão cheio, cheio como essa cama coberta de lembranças de carne. carne fresca e desossada, só pele na verdade, esquadrinhada toda, mapeada, documentada, as vestes são tudo que sobrou. Deito e lembro de tudo, das imemórias do vivido, do cobrado sem crédito, as voltas com a sede de medrâncias esquivas. Ah, se não fosses tão bela. As coisas teriam sido meramente dolorosas e mais evidentemente claras. Huahuah! As sombras das tuas coxas continuam a me assombrar. Claramente equivocadas e mesquinhas tuas provocações. Deixando em aberto sempre alguma coisa, um sentido, sempre incerto, impreciso, vago. O território possível de sentido era teu domínio e teu sonho incauto foi sempre conquistar um mundo. Sedução certa criadora de dúvida, desvios, rotas esguias de tua carne, esquivas de uma resposta. Era na procura que querias que eu sempre estivesse. E lá estava eu. sempre. Objetalmente reduzido, encarnando a elasticidade da incompreensão ao ver-me novamente só comigo. Tens sempre sorte de ser a primeira a virar de costas o olhar, teu foco. De quando em vez convenço-me a me vingar, ser o primeiro a sair, fechar a porta atrás. Mas é o corpo sempre, quem comanda o barco.

quinta-feira, 12 de março de 2009

ao mesmo tempo, tudo

Aqui sozinho, é estranho, mas a aspereza do ar me está fazendo bem. Ou é a solidão que é áspera? Ou é solidão que é espera? Medo de sobrar de ser, um prelúdio, ver a morte de perto, esquecer. Se deixar apenas, sem dor, com espanto manso de perceber que não se sofre, como um zumbido com o qual nos acostumamos e por súbito decide cessar. Uma vontade estúpida de fazer as coisas por fazer e estar bem com isso, desdém pela mesquinhez existencial do saber específico e acreditado do amanhã. Nem tudo é claro pra quem se sabe vão e a idéia de sentir é escura sempre. E depois da morte ninguém te sabe ou te sabe outro, te sabe kitch ou te sabe vilão.Acanhadamente resolver de sopetão um mal-querer não vale. O não é o tempo que torna aceitação e contra o que a gente luta e lutou, por um sopro cede e a vida por um sopro vai pra frente, sempre por um sopro, quando levantamos as velas e deixamos o barco correr pra onde quer. E onde quer? Onde quer? Onde está? Onde está ela, aquela dos sonhos meus? Onde está ela? Aquela que eu sei que não existe e que tanto me traz mágoa por saber não existir. Penso encontrá-la próxima vez que andar pela rua, penso esbarrar com ela próxima esquina, pode ser qualquer uma, qualquer depositário de sonho caminhante. Pode ser eu, Pode ser Deus, uma sombra de mar batendo com som de mar batendo com luz de mar batendo com vento. Tudo calmo. Poesia é angústia de ter que morrer enquanto tragédia é cor da vida. Talvez azul ao longe, talvez translúcido e resplandecente de perto, vermelho ao pôr-do-sol. Vejo através enquanto me vejo. Tudo ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo, tudo. Sou reflexo da espera do barco da vida no mar do esquecimento. Sou reflexo, espera, barco, vida, mar, esquecimento.

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“This great evil - where's it come from?
How'd it steal into the world?
What seed, what root did it grow from?
Who's doing this?
Who's killing us, robbing us of life and light, mocking us with the sight of what we mighta known?
Does our ruin benefit the earth, aid the grass to grow and the sun to shine?
Is this darkness in you, too?
Have you passed through this night?”

“Have you passed through this night?”, Explosions in The Sky.
Passagem do filme “Além da Linha Vermelha”.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Diário de Dorah. Página 55

E essa paz agora que estou triste? Quando algo de ruim nos acontece parece que nos limpa de alguma outra coisa ruim no sentido oposto, de algo horrendo que tenhamos por acaso feito. Nada é certeiro nada se fixa como terra na unha, nada é assim tão sério, mas a gente faz ser, a gente cava e tasca terra na unha pra depois roê-la e sentir o salgado do chão. A gente faz colar as coisas. O nome às coisas, o sentido o valor o certo ao Universo transformando-o como num passe de mágica no mundinho de nós. No entanto a gente se culpa que nem alguém que acredita no Todo Obscurento. A gente se culpa como se tivesse alguma coisa antes, alguma certeza dura erigida a durepox. Mas não! Na verdade, acho que acabo chegando a conclusão que a culpa nos faz humanos. Não é a razão, não é nem a arte, não é a porra do polegar opositor que tanto serviu a César pra matar os diabos dos cristãos. Nada disso. É a porra da culpa. Por favor, não me perguntem se os psicopatas não são humanos! O psicopata transcende o humano! Ele descola o valor do mundo. Foda-se! Quem dá o valor dessa porra sou eu! Quem dera. No entanto o fantasma da culpa continua a perseguir nossa grandiloqüente e ardilosa alma. Até quando? Até sermos devidamente castigados? Por quem? Diabo, por quem quer que seja, por nós mesmos, por mamãe, pelo Universo, pelo Acaso, pelo Todo Brumoso. O que importa é sentir que uma certa dívida foi paga. Certa dívida de vento, de nada, de dor, na verdade. E depois vem a paz. Uma certa tristeza, mas a paz. Sim, a paz que paga a dor. Paz e dor são notas do mesmo sistema monetário. Apenas deitar no chão gelado e sentir a chuva na cara. Sem forças pra mexer uma veia. E mexer pra que?
E às vezes eu acho que essa tal que chamamos culpa é que faz o medo de ser. Digo, o medo de SER. Medo de ser é culpa de não ser. Ninguém é. Não falo de coisas de dentro. Dentro de onde? Do nada? Se tem coisa de dentro e fora, SER é coisa de fora, lá de fora como aquela chuva que cai do outro lado da janela. A chuva não é chuva porque tem o de dentro, a chuva é porque cai, segue seu caminho. Ser é encontrar-se fora de si, é sentir o fluxo, sentir o correr, porque já não tem mais aquela barreira do dentro e fora, já é tudo o mesmo e no entanto é tudo fora. Tudo sendo sem retidão e sem manutenção sem preservação. Vê-se que tudo é e não é e que isso não faz tanta diferença assim.
E aí vem aquele francês e diz pra gente sustentar o desejo, pra gente não abrir mão do tal do desejo, que é inconsciente, mas que é pra gente não abrir mão. O que aquele velho histérico estava tentando dizer é pra gente SER. Pra cuspir na cola e esfregar e arrancar o sentido preso na coisa, de deixar o barco ir com o Sopro que nem naquele joguinho do “resta um”. E aí a gente É. Sem sentido preso na coisa quem é de sentir a culpa?

Ser e esquecer

Saber de não saber, se esquivar da verdade de ser, essa é a vida. Mentir para se aquecer, mesclar a sabedoria e a esquecidão, ser só vestes, só verniz, essa é a vida, não pensar, apenas sentir. O agora se esquece, por isso é tão bom. É olhar, é parecer, sem pensar de sentir. Sentir é um parecer, mas de eterna verdade. Ontem, amanhã, todos emergentes de um mundo de pensar, de tentar lembrar, de conservar. Conservar é o que o pensar quer. Apolíneos, assim deveríamos ser chamados os burgueses. É destino de Dionísio ser esquecido, porque Dionísio é a hojidão do agora, é o estalo a onda volúpia embriaguez. Deixemos o amanhã da ressaca pro Apolo.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Puro acaso

Sou tão fácil de esquecer quanto sou de lembrar. é só não me pensar. Faça o teste: não pense. É difícil. Por isso é difícil esquecer-me. Sou nirvana. E sou sombra mesquinha carregadiça de nada. E mesmo que te faças virtuoso nada me fará desistir. Sou o esquecimento e a cartada final. Roubada sem razão, vinda de fora, despretensiosa e vã, injusta e clara como o acaso. Sem-resposta, esse é meu nome, meu brumoso nome, sem casa, sem vento, sem braço, sem vista nem gozo. Balaustres esquecidos na chuva, segurantes de quedas, em cima vela iluminando a escuridão lá fora. Inútil, trôpega luz, inconstante, apagada pelo vento e reacesa, cintilante, fraca, piscante. Luminescência pontual, exclamativa e inquisitória. Esse sou eu. Tudo isso e nada isso. Ilumino inutilmente, casualmente a escuridão do mundo, o não-existente, o puro não-ser, tão limpo quanto gosto de carência de olhar. Com pingo de luz de fósforo faço um mundo existir. Assim, fácil, dou luz a existência que corrói, que queima, e como um acaso sopro o mundo, e o extingo quando faço aniversário. Pó, puro acaso. Puro.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Estética

Problemas? Aquele, dos três, de fato se dá de acordo com as entrelaçadas avultadas petições de juízo da senhora sua mãe. Já para que? Não se faz bela a tua cunhada? Ela é que tem razão! A razão quem dá é a estética, mais nada. Quem tem boa se redime ante os olhos de deus. Antolhos de deus, caiu bem. aquele que tudo vê. Só para a frente. Fecha os olhos pro que acontece ao lado. Para que também? Don´t let... don’t let.... Radiohead. Desde quando gostas desse som descontente? É sombra de música esses murmúrios insossos. E as pessoas aplaudem com veemência. Thank you everybody! Good night! Meus filhos gostam. Sem pelos é mais fácil estar de acordo com o desagrado.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O barco

Olha o barco, meu bem, lá no fundo. Onde? Lá onde a terra há de comê-lo, lá no fim dela, onde começa o sem-fim do mundo. Ainda não posso ver, bem. É que pra isso tens que fechar os olhos assim. Assim? Exato. Agora vês a sombra que projeta na água? Vês a cor ocre de suas madeiras escuras e limosas, ouves suas velas a mastigar o vento e cuspir andanças? E olha as pessoas lá dentro, amor. Suas bocas de esforço, suas cores, suas peles luminosas de sol, seus braços controlando as cordas e o timão, as vontades brancas luzindo as caras, lembranças dum amanhã enternecido adentrando robustos esposas deixadas nas casas, mulheres, lascivas criadoras de filhos chorosos cheirosos a banho. Mulheres, a razão de estarem ali longe, longe delas. Olha, agora recolhem as redes. E o que pescam, querido? Pescam sonhos. Pescam sonhos de mundo, sonhos meus e seus, sonhos de ninguém. Pescam a casa do projeto, o filho que teremos, pescam nuvens, pescam morte. Mas sobretudo pescam mulheres. Sobretudo pescam mulheres.