quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Diário de Dorah. Página 55

E essa paz agora que estou triste? Quando algo de ruim nos acontece parece que nos limpa de alguma outra coisa ruim no sentido oposto, de algo horrendo que tenhamos por acaso feito. Nada é certeiro nada se fixa como terra na unha, nada é assim tão sério, mas a gente faz ser, a gente cava e tasca terra na unha pra depois roê-la e sentir o salgado do chão. A gente faz colar as coisas. O nome às coisas, o sentido o valor o certo ao Universo transformando-o como num passe de mágica no mundinho de nós. No entanto a gente se culpa que nem alguém que acredita no Todo Obscurento. A gente se culpa como se tivesse alguma coisa antes, alguma certeza dura erigida a durepox. Mas não! Na verdade, acho que acabo chegando a conclusão que a culpa nos faz humanos. Não é a razão, não é nem a arte, não é a porra do polegar opositor que tanto serviu a César pra matar os diabos dos cristãos. Nada disso. É a porra da culpa. Por favor, não me perguntem se os psicopatas não são humanos! O psicopata transcende o humano! Ele descola o valor do mundo. Foda-se! Quem dá o valor dessa porra sou eu! Quem dera. No entanto o fantasma da culpa continua a perseguir nossa grandiloqüente e ardilosa alma. Até quando? Até sermos devidamente castigados? Por quem? Diabo, por quem quer que seja, por nós mesmos, por mamãe, pelo Universo, pelo Acaso, pelo Todo Brumoso. O que importa é sentir que uma certa dívida foi paga. Certa dívida de vento, de nada, de dor, na verdade. E depois vem a paz. Uma certa tristeza, mas a paz. Sim, a paz que paga a dor. Paz e dor são notas do mesmo sistema monetário. Apenas deitar no chão gelado e sentir a chuva na cara. Sem forças pra mexer uma veia. E mexer pra que?
E às vezes eu acho que essa tal que chamamos culpa é que faz o medo de ser. Digo, o medo de SER. Medo de ser é culpa de não ser. Ninguém é. Não falo de coisas de dentro. Dentro de onde? Do nada? Se tem coisa de dentro e fora, SER é coisa de fora, lá de fora como aquela chuva que cai do outro lado da janela. A chuva não é chuva porque tem o de dentro, a chuva é porque cai, segue seu caminho. Ser é encontrar-se fora de si, é sentir o fluxo, sentir o correr, porque já não tem mais aquela barreira do dentro e fora, já é tudo o mesmo e no entanto é tudo fora. Tudo sendo sem retidão e sem manutenção sem preservação. Vê-se que tudo é e não é e que isso não faz tanta diferença assim.
E aí vem aquele francês e diz pra gente sustentar o desejo, pra gente não abrir mão do tal do desejo, que é inconsciente, mas que é pra gente não abrir mão. O que aquele velho histérico estava tentando dizer é pra gente SER. Pra cuspir na cola e esfregar e arrancar o sentido preso na coisa, de deixar o barco ir com o Sopro que nem naquele joguinho do “resta um”. E aí a gente É. Sem sentido preso na coisa quem é de sentir a culpa?

Ser e esquecer

Saber de não saber, se esquivar da verdade de ser, essa é a vida. Mentir para se aquecer, mesclar a sabedoria e a esquecidão, ser só vestes, só verniz, essa é a vida, não pensar, apenas sentir. O agora se esquece, por isso é tão bom. É olhar, é parecer, sem pensar de sentir. Sentir é um parecer, mas de eterna verdade. Ontem, amanhã, todos emergentes de um mundo de pensar, de tentar lembrar, de conservar. Conservar é o que o pensar quer. Apolíneos, assim deveríamos ser chamados os burgueses. É destino de Dionísio ser esquecido, porque Dionísio é a hojidão do agora, é o estalo a onda volúpia embriaguez. Deixemos o amanhã da ressaca pro Apolo.