sexta-feira, 2 de novembro de 2012

No dia dos mortos

Na ressaca, escorrido esse caldo negro de angústia, vem uma calma clara e melancólica como tempo nublado. Um céu branco e uniforme que não faz sombra nem na alma.

Chove um tempo parado em pausas que, por instantes, fazem do futuro distância segura da morte.

Gotas brandas de instantes que tornam o presente distância segura da vida.

domingo, 6 de junho de 2010

Cãosmose

Meu cachorro acaba de comer o livro "Caosmose" emprestado do CCBB. Agora entendo o que Guattari dizia com a expressão consumo de subjetividade.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Vida e morte de João Sem Nome

Apenas pensares iguais lhe vinham à cabeça. João sabia serem aqueles seus pensamentos diários e infecundos. As idéias nunca vinham assim sem mais. Quer dizer, as verdadeiras idéias. Verdadeiras sim. Alguma coisa como Platão, verdade e simulacro. E joão pensava apenas simulacros. Simulacros de plástico. Fake.
Assim, despregoado de si, pegou-se João verdadeiramente pensando certo dia. Pensando sobre o pensar. Pensando verdadeiramente sobre o pensar. Mas, refletiu ele, se pensasse sobre o pensar, esse novo e original pensamento do pensar não seria mais que uma reflexão sobre o próprio pensar. Um pensamento que reflete outro. E como um pensamento que tem outro como base pode ser original, verdadeiro, não simulacro?
Como a janela que se abre sem vento, mas com espirros, aquele pensamento novo, ou novamente copiado de outro, se impôs, se pôs dentro, numa abdução. Porque pensar novo é fazer uma abdução do fora, do estranho. É, também, ao mesmo tempo, sofrer uma abdução. Ser levado pra fora, pro estrangeiro do sem nome, pois só é estrangeiro o que ainda não tem nome, ou o que tem algum nome que a gente não consegue falar. O sentido vem à carroça. Alguém diz o novo e o outro fala saúde, por educação. E foi como um espirro, como um protótipo de orgásmo de espírito, que o pensamento novo entrou, ou saiu, não sabia ao certo, de repente, pequenino ainda, é verdade, mas verdade. João sentiu o gosto da verdade, o gosto de verdade, e soou como uma ilhazinha de vento num mar de nada, como um gosto de sentir numa cama vazia. E João gozou em espirro intempestivo. Mas não havia ninguém lá para lhe dar saúde, ninguém lá pra dar nome àquele objeto gozado, parido de cabeça e querente de nada. E aquele objeto era João. João visto de dentro do ovo, ou de fora, abduzido, ainda não sabia. João sem nome também ainda.
Depois de gozar-se, João se mudou. Foi morar fora e passou-se a chamar João Sem Nome. João Sem Nome continuou a se pensar pensando, pois pensar-se pensando assim de fora era como pensar-se outro. E era, justamente, por pensar em pensar-se outro que, pois, João era agora Sem Nome. Pensar-se outro era libertador e, mais que isso, tinha sentido de verdade, pois a verdade sempre esteve fora. Estando agora fora de si, João sentia nele a verdade. João Sem Nome, desgrudado agora que estava de si, continuou durante muito tempo a copiar-se e, sendo assim, era-se de fora. Sendo-se de fora, pensando em pensar-se, João era Sem Nome.
Via-se agora, João Sem Nome, que o que mais e sempre quis foi ter-se e que a única forma de fazê-lo verdadeiramente era ir-se completamente para fora, não só de seu pensamento, mas de tudo o resto de si. João Sem Nome resolveu então inalar quinhentas gramas de pimenta do reino em pó. Quis, através desse ato intempestivo, original e até inspirador, provocar um espirro tão forte que o retirasse completamente de sim. Seria o espirro mais forte que o homem já viu. João Sem Nome foi encontrado morto dentro de sua casa no estrangeiro. Não tinha amigos nem documentos, por isso João Sem Nome foi enterrado como indigente lá mesmo numa cova sem nome. Os médicos disseram que o coitado morreu sufocado depois que a pimenta fechou sua glote.
João Sem Nome morreu de dentro.

domingo, 14 de junho de 2009

sem querer querendo





debaixo d'uma árvore
Chopin de costas
percebo feliz
que não estou apto para amar.
o quanto abro mão das coisas
para simplesmente
sentar-me aqui
sem querer.
Sem querer
como posso amar sem querer?
O acaso renasce e
sem querer
me joga num querer,
numa onda do
querer
que me arrebenta
na praia
e some
deixando-me caído,
sem saber
o que me atingiu.
para logo depois me levantar
e me preperar
para mais uma delas
mais uma onda de
querer
vindo a mim
sem querer
e
sem querer
o
querer
me carrega novamente
e me vira
de cabeça pra baixo.

O amor é o
querer
apesar do
sem querer,
é o apropriar-se do
sem querer.
O amor é um
sem querer
querendo,
é um beijo
no Acaso.

Por isso prefiro agora estar só,
aqui,
debaixo d'uma árvore
que despeja sombras
sobre meu caderno
escuro
em meio ao crepúsculo
da Praia Vermelha.
Por isso estou aqui só
e estou bem,
estou só porque quero o
sem querer
sem querer,
quero o acaso vivo,
quero o acaso livre
quero outra coisa
que não é o estar ali.

quero o
sem querer
sem querer
Não quero isto
que está aqui
que parou aqui
sem querer.

quinta-feira, 11 de junho de 2009





a espera me exorta
a querer mais
sem menos saber
a beber das claras d'um ovo podre,
d'um feto morto,
da vida que não viveu.
natimorto é o saber-se são:
enquanto afirma-se
por isso mesmo
já não é.
é a dúvida mais saudável
que a certeza cega?
ah... dúvida.
Perscrutando um caminho tosco
achando um sentido sem razão
na floresta fechada
das coisas em si
tento não me perder.
tento não me perder demais.
se tenho certeza demais
no caminho
sou doente e me perco,
certo?
é o que dizem.
Ah...
mata fechada do Nada,
o sentido se faz a golpes de facão!

segunda-feira, 8 de junho de 2009

sempre é noite em meus sonhos


Starry Night Over the Rhone, Vincent van Gogh (1888)



sempre é noite em meus sonhos.
se não fujo,
persigo,
grito
e de repente me perco
procuro o caminho de casa
e nunca chego
nunca entro
estou sempre fora de mim
meus sonhos se passam na rua
nos ônibus
e aí então,
como uma barata perdida,
descubro que voo
e me pergunto
por que não voava antes
se voar é tão fácil.
controlar é que é difícil
é preciso uma espécie de força pra subir,
subir,
mas nunca chegar alto demais
a não ser que me jogue de algum lugar

sempre é noite em meus sonhos
os lugares são outros,
uma viagem a alguma costa
praias,
pessoas,
o mar revolto
não entro
ando
contorno o mar
lagoa
percorro uma trilha no mato
morro acima
então estou subindo o alto
um outro alto, porém
um alto dos sonhos
mas que é o mesmo sempre.
é que o lugar nos sonhos
é na verdade o afeto
espacializado
por isso real

sempre é noite em meus sonhos

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Acordei amanhã

Acordei
em quarto estranho
As calças no chão
e um número
de telefone
incognoscivelmente
rabiscado
na mão
De quem é a letra?
De quem é o número?

Quem é esse que sou?

roupas molhadas de chuva
alma secando e ardendo
na mende
Uma dor na mente
Não,
uma dor no cérebro!

Minha anfitriã
contando histórias de mim
que não sei
que serão para sempre histórias
de outro

Mas está tudo bem
Hoje é de novo dia
Hoje é de novo noite
Hoje será de novo amanhã
E Amanhã que será?
E amanhã quem será
eu?