domingo, 15 de março de 2009

corpo

O vazio é tão cheio, cheio como essa cama coberta de lembranças de carne. carne fresca e desossada, só pele na verdade, esquadrinhada toda, mapeada, documentada, as vestes são tudo que sobrou. Deito e lembro de tudo, das imemórias do vivido, do cobrado sem crédito, as voltas com a sede de medrâncias esquivas. Ah, se não fosses tão bela. As coisas teriam sido meramente dolorosas e mais evidentemente claras. Huahuah! As sombras das tuas coxas continuam a me assombrar. Claramente equivocadas e mesquinhas tuas provocações. Deixando em aberto sempre alguma coisa, um sentido, sempre incerto, impreciso, vago. O território possível de sentido era teu domínio e teu sonho incauto foi sempre conquistar um mundo. Sedução certa criadora de dúvida, desvios, rotas esguias de tua carne, esquivas de uma resposta. Era na procura que querias que eu sempre estivesse. E lá estava eu. sempre. Objetalmente reduzido, encarnando a elasticidade da incompreensão ao ver-me novamente só comigo. Tens sempre sorte de ser a primeira a virar de costas o olhar, teu foco. De quando em vez convenço-me a me vingar, ser o primeiro a sair, fechar a porta atrás. Mas é o corpo sempre, quem comanda o barco.

quinta-feira, 12 de março de 2009

ao mesmo tempo, tudo

Aqui sozinho, é estranho, mas a aspereza do ar me está fazendo bem. Ou é a solidão que é áspera? Ou é solidão que é espera? Medo de sobrar de ser, um prelúdio, ver a morte de perto, esquecer. Se deixar apenas, sem dor, com espanto manso de perceber que não se sofre, como um zumbido com o qual nos acostumamos e por súbito decide cessar. Uma vontade estúpida de fazer as coisas por fazer e estar bem com isso, desdém pela mesquinhez existencial do saber específico e acreditado do amanhã. Nem tudo é claro pra quem se sabe vão e a idéia de sentir é escura sempre. E depois da morte ninguém te sabe ou te sabe outro, te sabe kitch ou te sabe vilão.Acanhadamente resolver de sopetão um mal-querer não vale. O não é o tempo que torna aceitação e contra o que a gente luta e lutou, por um sopro cede e a vida por um sopro vai pra frente, sempre por um sopro, quando levantamos as velas e deixamos o barco correr pra onde quer. E onde quer? Onde quer? Onde está? Onde está ela, aquela dos sonhos meus? Onde está ela? Aquela que eu sei que não existe e que tanto me traz mágoa por saber não existir. Penso encontrá-la próxima vez que andar pela rua, penso esbarrar com ela próxima esquina, pode ser qualquer uma, qualquer depositário de sonho caminhante. Pode ser eu, Pode ser Deus, uma sombra de mar batendo com som de mar batendo com luz de mar batendo com vento. Tudo calmo. Poesia é angústia de ter que morrer enquanto tragédia é cor da vida. Talvez azul ao longe, talvez translúcido e resplandecente de perto, vermelho ao pôr-do-sol. Vejo através enquanto me vejo. Tudo ao mesmo tempo. Ao mesmo tempo, tudo. Sou reflexo da espera do barco da vida no mar do esquecimento. Sou reflexo, espera, barco, vida, mar, esquecimento.

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“This great evil - where's it come from?
How'd it steal into the world?
What seed, what root did it grow from?
Who's doing this?
Who's killing us, robbing us of life and light, mocking us with the sight of what we mighta known?
Does our ruin benefit the earth, aid the grass to grow and the sun to shine?
Is this darkness in you, too?
Have you passed through this night?”

“Have you passed through this night?”, Explosions in The Sky.
Passagem do filme “Além da Linha Vermelha”.