sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Puro acaso

Sou tão fácil de esquecer quanto sou de lembrar. é só não me pensar. Faça o teste: não pense. É difícil. Por isso é difícil esquecer-me. Sou nirvana. E sou sombra mesquinha carregadiça de nada. E mesmo que te faças virtuoso nada me fará desistir. Sou o esquecimento e a cartada final. Roubada sem razão, vinda de fora, despretensiosa e vã, injusta e clara como o acaso. Sem-resposta, esse é meu nome, meu brumoso nome, sem casa, sem vento, sem braço, sem vista nem gozo. Balaustres esquecidos na chuva, segurantes de quedas, em cima vela iluminando a escuridão lá fora. Inútil, trôpega luz, inconstante, apagada pelo vento e reacesa, cintilante, fraca, piscante. Luminescência pontual, exclamativa e inquisitória. Esse sou eu. Tudo isso e nada isso. Ilumino inutilmente, casualmente a escuridão do mundo, o não-existente, o puro não-ser, tão limpo quanto gosto de carência de olhar. Com pingo de luz de fósforo faço um mundo existir. Assim, fácil, dou luz a existência que corrói, que queima, e como um acaso sopro o mundo, e o extingo quando faço aniversário. Pó, puro acaso. Puro.

Um comentário:

  1. Dessa tua poesia, vem aquele momento em que o nada se indiferencia do tudo: quando se percebe que dia e noite são irmãos da mesma semente, inquilinos da mesma gravidez.

    Há certos símbolos ou idéias que marcam profundamente um artista, e que se perpetuam, secretamente, por toda sua obra. Quintana e seus sapatos; Camus e o sol. O acaso é um órgão vital teu. Ou você é um órgão vital do acaso. Algo por aí.

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